Muito lúcido o comentário de Dora Incontri sobre a polêmica do Dalai Lama. Eu não conseguiria expressar melhor. Recomendo o vídeo abaixo e deixo aqui algumas reflexões sobre o risco enorme de colocarmos qualquer ser humano em um pedestal.
O episódio serve de alerta sobre a idealização e culto a gurus – que são seres humanos falíveis, cheios de defeitos como todos nós. A doença do “guruísmo” acomete até acadêmicos, como Boaventura de Sousa Santos, envolvido em recentes denúncias de assédio sexual. Envolve líderes religiosos (padres, bispos, pastores, monges etc), curandeiros como João de Deus ou nomes mais midiáticos como Prem Baba, Tadashi Kadomoto etc.
Mas o problema vai muito além do hediondo abuso sexual. É bem mais insidioso e pode ser imperceptível a curto e médio prazo. Abrange o controle das mentes e dos bolsos daqueles que são hipnotizados por gurus, coaches, mentores de desenvolvimento pessoal ou qualquer figura em posição de autoridade, poder, sabedoria superior – que pode (ou não) ser charlatanismo – mas que envolve quase que invariavelmente relações de controle, dominação e manipulação.
A carência humana abre as portas esse tipo de idolatria. Quem nunca passou por isso, que atire a primeira pedra! Projetamos nossos anseios e nossas melhores expectativas em alguém que parece reuni-las, que parece ter as respostas que buscamos. E ali depositamos nosso tempo, nossa energia e/ou nosso dinheiro. Alguns (algumas) depositam até o seu corpo e sua intimidade nas mãos desses inescrupulosos gurus. A fragilidade dá ensejo ao controle.
Pessoalmente, acredito que todas as religiões trazem consigo essa possibilidade de controle e dominação, por meio do respeito, do medo, dos votos de obediência, hierarquia e tudo o mais. É preciso ter cuidado, muito cuidado, para não se deixar enredar. Quanto mais fervoroso (a) é o (a) praticante, mais sujeito (a) será a esses gurus. Quanto menor a autoestima, maior será o abuso, que pode acontecer na igreja, na universidade, na internet, nas mentorias de desenvolvimento humano e meditação, enfim… a lista é infinita.
No meio coach, por exemplo, há possibilidades de controle por meio de jargões, que variam conforme o guru escolhido. Um exemplo: se você critica o guru ou quem quer que seja, você não está tendo autorresponsabilidade… ou suas críticas são resultado de suas crenças limitantes. Ou, ainda, “tudo é crença”. Qualquer questionamento faz de você um pária, alguém que não tem o mindset correto. Isso ganhará um nome específico em cada seita, obviamente.
O abuso está por todo o lado e a proteção está na verdade: não há super humanos. Somos todos igualmente falhos, falíveis ou “pecadores”, se assim preferir. Os gurus têm pés de barro e não devem ser idolatrados jamais.
Foto de abhijeet gourav na Unsplash